sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Previsão da estatura final - acertando no lavo?

Carlos Alberto Longui

Professor Adjunto, Departamento de Pediatria - Unidade de Endocrinologia Pediátrica, e Departamento de Ciências Fisiológicas — Laboratório de Medicina Molecular, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, SP. Presidente do Departamento de Endocrinologia Pediátrica, Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia

Prever a estatura final permite tomar decisões importantes em várias doenças endócrinas e não endócrinas que acometem a criança e o adolescente. Por vezes, a alta estatura é acompanhada de avanço desproporcional da idade óssea (IO) e perda da previsão de estatura final (pEf), como se observa em casos de precocidade puberal ou de hipertireoidismo. Outras vezes, a baixa estatura está associada ao atraso da IO, que em situações não patológicas é proporcional à aparente perda estatural e, portanto, não repercute na estatura final, evoluindo com recuperação do crescimento especialmente no período puberal.

Entre estes extremos existe um grande espectro de combinações entre a variação do crescimento, progressão da IO e grau de maturação puberal, conferindo ampla variabilidade nos padrões de maturação e crescimento até a estatura final. Esta variação é amplificada pelas dificuldades técnicas em se estabelecer padrões de IO atualizados e adequados às características raciais e regionais.O princípio básico da pEf é a correlação entre o grau de maturação óssea, a fase do crescimento e o potencial de crescimento ainda presentes numa determinada fase do processo evolutivo. Portanto, os métodos de pEf estão melhores ajustados a indivíduos com crescimento normal, nos quais se mantêm inalterada a correlação entre as variáveis acima citadas.

Doenças endócrinas e não endócrinas crônicas, assim como variantes do crescimento, como o retardo constitucional do crescimento e puberdade (RCCP) e a baixa estatura familial (BEF), apresentam padrões evolutivos peculiares e, portanto, não permitem acurácia nas pEf, em parte relacionado a graus variáveis da gravidade clínica da doença.Em situações clínicas com curvas de crescimento já definidas, como nas crianças nascidas pequenas para a idade gestacional, nas síndromes de Turner, Down, Prader Willi e Noonan, entre outras, o conhecimento do crescimento espontâneo oferece condições de se prever a estatura final com melhor acurácia.

A estas dificuldades se somam as falhas da elucidação diagnóstica, como as observadas em meninas inicialmente caracterizadas como portadoras de baixa estatura idiopática (RCCP ou BEF), nas quais após estudo citogenético ou avaliação molecular de genes localizados no cromossomo X, pode-se reconhecer anormalidades gênicas ou cromossômicas associadas à síndrome de Turner ou à discondrosteose de Leri-Weill.Estes aspectos aqui salientados são discutidos nesta edição dos ABE&M, nos artigos apresentados por Martins e cols. (1) e Setian e cols. (2).A despeito de todas as limitações associadas à pEf, uma estimativa mesmo desprovida de acurácia, é essencial ao raciocínio clínico. O endocrinologista deve estar ciente das limitações intrínsecas dos métodos de determinação da IO e pEf, assim como transmitir aos pais e pacientes o caráter semi-quantitativo das informações oferecidas por estes métodos.

A obtenção de previsões seqüenciais (a cada 6 ou 12 meses) minimiza a fragilidade destes métodos e permite estabelecer um padrão evolutivo que, em geral, se correlaciona melhor com a estatura final real. Nesta situação evolutiva é necessário considerar a época esperada para o início puberal, pois a antecipação inesperada do desenvolvimento puberal é uma das principais causas de falha dos métodos de pEf. Em estudos anteriores realizados na Unidade de Endocrinologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo (3-6), avaliamos a utilização dos métodos de realização da IO e pEf, evidenciando que a determinação da IO pelo método de Greulich-Pyle, com previsão subseqüente pelo método de Bayley-Pinneau, é o que melhor se adapta aos pacientes com precocidade sexual. Nas outras situações clínicas testadas (hipotireoidismo, deficiência de GH, RCCP e BEF) a realização da IO e pEf pelo método de Tanner foi mais estável em avaliar seqüencialmente as pEf e se correlacionaram melhor com a estatura final.Do ponto de vista prático, os métodos de previsão utilizam dados de crescimento da população geral.

Portanto, a simples projeção da estatura, corrigida para a idade óssea (ao invés da idade cronológica), permite estabelecer o percentil de estatura da IO, que representa o percentil de estatura da previsão final. A repetição deste ajuste em pontos seqüenciais da curva permite reconhecer a estabilidade da previsão ao longo do tempo (figura acima do texto). Nossa opinião é que, embora sujeita a grande variabilidade, a pEf é uma ferramenta ainda útil na observação longitudinal do crescimento, cabendo a nós endocrinologistas reconhecer os limites que o método apresenta.
Em se tratando de uma informação tão útil quanto a fornecida pela pEf, a precisão com que acertamos o ''alvo'' é menos importante do que reconhecer a tendência evolutiva de manutenção, ganho ou perda da estatura final.

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