sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Defesa no reflexo: abordagens conceituais básicas

O futebol nas suas mais variadas formas de execução, futsal, futebol de areia, futebol sete e futebol de campo, cada vez mais necessita de jogadores versáteis, que possam atuar nas mais diversas posições e situações de jogo. Neste universo, distingue-se o goleiro, pois é o único jogador com características próprias, cuja função difere dos demais integrantes da equipe. Cada vez mais o goleiro se torna uma posição especializada dentro do contexto do jogo de futsal. A função básica deste jogador é defender o seu gol, utilizando-se para isto de todas as possibilidades técnicas, táticas, físicas e psíquicas, que sejam permitidas pela regra do jogo. Podemos considerar que uma das qualidades fundamentais para o desempenho adequado da função de goleiro dentro do jogo de futsal, é o tempo de reação. Todavia, freqüentemente ocorre uma “confusão” acerca da participação na ação do goleiro, de outro componente neuro-motor, que é o reflexo.
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Esta situação, que foi e ainda é, criada e alimentada principalmente pelos meios de comunicação, ao salientarem as ações rápidas do goleiro frente ao chutes dos adversários, como sendo “defesa no reflexo”, está muito presente no nosso dia-a-dia. Através deste trabalho procuraremos elucidar possíveis dúvidas sobre o assunto, buscando identificar os conceitos de tempo de reação e reflexo, para uma melhor compreensão dos gestos defensivos do goleiro de futsal.

REFLEXOS
Basicamente, a diferença existente entre reflexo e tempo de reação diz respeito ao ponto de integração destes movimentos no complexo sistema de controle motor do movimento humano. Enquanto o tempo de reação é uma ação consciente, surgindo com a percepção de um estímulo pelo SNC, a integração do movimento reflexo ocorre no nível da medula espinhal. MAGGIL (1984) em relação a estes movimentos classifica-os em movimentos reflexos e movimentos voluntários. Para ele os “movimentos reflexos envolvem tanto a transmissão sensorial da informação dos receptores apropriados, quanto a transmissão eferente da informação para a musculatura apropriada.

Mas a fase de integração deste sistema é muito diferente dos movimentos voluntários mais complexos”(p.142). O autor aponta as diferenças existentes entre os dois movimentos. Segundo ele a diferença está no local em que ocorre a integração, pois ”para movimentos reflexos simples, a integração da informação sensorial motora ocorre no nível da medula espinhal. A fibra nervosa aferente transmite o impulso a medula espinhal, onde a fibra forma sinapse com um neurônio motor alfa, que leva o impulso eferente ao músculo esquelético apropriado”.(p.142).

Nos movimentos voluntários, MAGILL salienta que a integração da informação sensorial ocorre no cérebro, “sendo os principais locais de integração o córtex, os gânglios cerebrospinais, o tálamo e o cerebelo”.(p.142). O ponto de integração do estímulo no movimento reflexo, também é abordado por WEINECK (1991), como sendo a diferença entre os dois tipos movimentos.

Afirma ele que “ enquanto os desempenhos motores mais complexos, ou mais ‘altos’, estão ligados às estruturas superiores do cérebro, as correções simples de atividade muscular podem ocorrer a nível de medula”.(p.53). A esta atividade desenvolvida no aspecto medular, ele chama de reflexo. Com opinião semelhante, encontramos as idéias de BRANDÃO (1991) para quem as atividades esportivas, complexas pela sua natureza “ tem no córtex motor sua estação final, que conecta e dá continuidade ao processo iniciado em áreas sensoriais e de associação do córtex cerebral”. (p.27).

O autor considera que os reflexos “ se originam nos receptores sensoriais, que penetram na medula espinhal pelo seu corno dorsal. Na mesma linha de afirmação, BARBANTI (1994) considera o reflexo uma reação inata e específica, salientando que ele não pode ser treinado. O autor afirma que reflexo é uma “ reação involuntária, súbita, muito simples, em que não existe qualquer elemento de escolha ou premeditação” (p.252).

Com a mesma linha de raciocínio SCHMIDT (1979) define como reflexo as reações estereotipadas que o corpo apresenta frente a determinados estímulo, considerando a sua involuntariedade. A característica do reflexo de ser um movimento totalmente involuntário também é destacado por ESBÉRARD (1980), onde o autor afirma que “as respostas produzidas por estímulos específicos, que se realizam independe de qualquer controle e que tem características semelhantes em vários grupos animais e total identidade na mesma espécie, não importando a idade, é dado o nome de ato reflexo ou simplesmente reflexo”.(p.223).

O reflexo depende da via neural específica, e está relacionado com o ponto de inserção do estímulo da medula espinhal. As respostas reflexas não melhoram pela repetição. Esta situação deixa claro que o reflexo não pode ser treinado, o que impossibilita a sua aplicação situações técnicas do goleiro, como no caso das defesas dos arremates dos adversários.

TEMPO DE REAÇÃO
Como já vimos muitas são as qualidades, tanto físicas como técnicas e até mesmo psicológicas necessárias para um bom goleiro de futsal. Uma destas qualidades básicas, diz respeito a capacidade de reação, que deve ser a mais rápida possível, através da realização de movimentos técnicos de defesa, frente as ações ofensivas dos adversários, normalmente arremates ao gol em forma de chutes e cabeceios.

É primordial que o goleiro responda rapidamente e conscientemente a este estímulo, estando a sua produtividade diretamente relacionada com esta capacidade. Para obter este intento, um bom tempo de reação é necessário. Por tempo de reação BARBANTI (1994) considera “ o tempo que ocorre entre a saída do sinal de estímulo e a execução da resposta apropriada ao estímulo”.(p.276) Com uma opinião semelhante, SANTOS (1993) diz que “ tempo de reação é o intervalo de tempo entre a apresentação do estímulo ou sinal até o início da resposta”.(p.27).

Entretanto, neste conceito, a autora define o final da reação como sendo o início da resposta. Ela chama de Tempo de Resposta o espaço entre o estímulo e a execução final do gesto motor. Utilizando inicialmente o termo Velocidade de Reação, surge o conceito de VIANA (1995) para quem “ velocidade de reação é o tempo mínimo necessário para ser dar uma resposta motora a um estímulo sensitivo”. A definição da terminologia para esta situação, não é questão fechada para o autor, já que ele mesmo diz que “ alguns autores denominam velocidade de reação, capacidade de reação ou tempo de reação”, entretanto isto não é o mais importante. SOARES (1989) também considera o tempo de reação como sendo o intervalo de tempo entre o estímulo e o início da resposta motora. O autor inclui também a execução do movimento, dentro do que ele chama de Tempo de Movimento.

A AÇÃO DEFENSIVA DO GOLEIRO DE FUTSAL
Ao analisarmos os conceitos apresentados de reflexo e tempo de reação, podemos afirmar que o ato reflexo não faz parte da ação defensiva do goleiro de futsal. No futsal a defesa do goleiro parte da percepção de um estímulo apresentado pelo meio e captado pelo goleiro. Este estímulo é normalmente transformado na ação de chute ao gol por um jogador adversário.

Após perceber o estímulo o goleiro irá decidir qual a melhor ação a ser tomada, através do mecanismo decisório que tem como função selecionar e integrar os comandos motores que deverão realizar o movimento de defesa da bola. Num ato reflexo não há este caminho, pois ele ocorre em níveis inferiores do SNC. Além disto, a reação do goleiro é um movimento voluntário, pois os mecanismos de processamento de informações da ação do goleiro estão interligados, através de um fluxo de informações, o que segundo FONSECA (1998) faz com que um determinado mecanismo fique dependente das informações fornecidas pelo seu antecessor, ou seja, a decisão irá depender obrigatoriamente da percepção. Toda esta situação tem no córtex motor seu estágio de realização, o que demonstra como afirma BRANDÃO (1991) a necessidade de participação do córtex motor nas atividades motoras complexas, como é o caso das esportivas. Acreditamos que usar o termo adequado ao real conceito do ato motor apresentado pelo goleiro é importante para uma melhor compreensão do próprio jogo. O uso de conceito inadequados muitas vezes resultam em problemas de compreensão de significado. Com o presente trabalho esperamos ter colaborado para transferir informações que esclareçam cada vez mais a complexidade e importância do movimento humano, nas suas mais diversas formas de manifestação.
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BIBLIOGRAFIA
MAGILL, Richard. Aprendizagem Motora : Conceitos e aplicações. 2ª edição. Ed. Edgard Blücher. 1984. São Paulo. BRANDÃO, Marcus. As bases psicofisiológicas do comportamento. 1ª edição. Ed. Pedagógica Universitária. 1991. São Paulo. SCHMIDT, Robert. Neurofisiologia. 1ª edição. Ed. Pedagógica Universitária. 1979. São Paulo. ESBÉRARD, Charles. Neurofisiologia. 1ª edição. Ed. Campus. 1980. Rio de Janeiro. EYZAGUIRRE, C. e FIDONE, S. Fisiologia do Sistema Nervoso. 2ª edição. Ed. Guanabara Koogan. 1977. Rio de Janeiro. FONSECA, Gerard. Futsal – Treinamento para goleiros. 1ª edição. Ed. Sprint. 1998. Rio de Janeiro. WEINECK, Jürgen. Biologia do Esporte. 1ª edição. 1991. Ed. Manole. São Paulo. SOARES, Jesus. Dissertação de Mestrado- Estudo do Desempenho em Tempo de Reação e Tempo de Movimento em Atletas Veteranos e Indivíduos Não Praticantes de Esportes. USP. 1989. São Paulo. BARBANTI, Valdir. Dicionário de Educação Física e do Esporte. 1ª edição. Ed. Manole. 1994. São Paulo. VIANA, Adalberto. Treinamento do Goleiro de Futebol. 1ª edição. Imprensa Universitária. 1995. Viçosa.
Referência:
http://www.futsalbrasil.com.br/Autor: Gerard Mauricio Martins Fonseca

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